Christina M. Herrmann  

Christina M. Herrmann é poeta, webdesigner. Carioca, vive atualmente na Alemanha. Comunidades no orkut: "Café Filosófico das Quatro", "Sociedade dos Pássaros-Poetas" ambas de entrevista e "Orkultural" em parceria com Blocos Online.
Endereço do Blog, reunindo todos os seus sites e comunidades: http://chrisherrmann.blogspot.com

 Coluna 54 - 2ª quinzena de novembro
próxima coluna: 8/12

CRÔNICAS & CONTOS

É com prazer que destacamos alguns textos coletados na comunidade Café Filosófico ´Das Quatro", dos seguintes autores:

Maria Lúcia de Almeida, Evelyne Furtado e Soraya Vieira.

Uma ótima quinzena a todos e até o nosso próximo número!

 

* * *

Senhor José Lourenço

Maria Lúcia de Almeida

Conheci o senhor José Lourenço em uma padaria próxima a minha casa. Um senhor negro, de cabeça grisalha, trajando uma camisa social velha, mas muito limpa e bem passada, e uma calça ‘amarrada' por um cinto que indicava um ex-dono de manequim duas vezes maior. Deveria estar por volta dos 80 anos e conversava num português correto, embora a dicção já estivesse prejudicada pela falta da maioria dos dentes. Dizia à mocinha que atendia no balcão:

“- Ainda hei de ganhar na loteria para comprar um queijo mineiro inteirinho e uma grande barra de goiabada cascão”.

Não tive a menor dúvida, comprei o queijo e a goiabada, feliz da vida por estar tendo a oportunidade de fazer uma caridade, e entreguei ao senhor José Lourenço. Para minha surpresa, ele me olhou com um certo espanto, e ao me agradecer o presente, mal conseguia disfarçar o desapontamento. Foi então que me dei conta do tamanho da minha mancada. Num gesto espontâneo de agrado, eu simplesmente havia ‘apagado' o sonho de uma pessoa de ganhar na loteria e poder comprar o objeto de seu desejo. O sonho de qualquer outra pessoa poderia ser um carro importado, mas o daquele senhor era uma goiabada e um queijo.

Numa tentativa de ressuscitar parte daquele sonho, eu disse a ele que quando ganhasse na loteria poderia comprar uma casa.

“- Uma casa?... eu morava em casa própria. Hoje moro em frente, de aluguel”.

“-Mas o que aconteceu com a casa que era do senhor?”, perguntei.

“- Pois bem, minha casa era toda arrumadinha. Tinha fogão, geladeira, mesa e cadeiras. As coisas todas no lugar. Tinha até minhas ferramentas que eu costumava trabalhar de jardineiro e, às vezes, gostava de capinar uma rocinha. Um dia, sem mais e nem porque, eu escorreguei e bati com a cabeça no chão”.

“- Minha nossa, foi grave o acidente?”, perguntei interessada na história.

“- Não foi nada grave. Não desmaiei e nem perdi a memória. Ficou um cortizinho de nada, só a senhora vendo.

Daí apareceu um pessoal, uma gente que eu nem mesmo conhecia e que dizia que era preciso me levar para um hospital. Mas eu continuei insistindo que não havia sido nada, que eu estava bem. Pois foi que me levaram para aquele asilo em Venda Nova e lá me deixaram confinado durante um ano”.

“- Um ano? Mas o senhor não tinha um filho, um parente qualquer que pudesse tê-lo tirado de lá?”.

“- Que nada. Só um irmão que está por aí, perdido nesse mundo. Aconteceu que quando eu voltei, tinham derrubado meu barraco no chão e roubado todas as minhas coisas. Roubaram tudinho. E foi o mesmo homem de quem ganhei por uso capião. Porque meu terreno eu ganhei por uso capião. E o homem é um doutor! A senhora acredita? Ele passa por mim e se curva todo. Não olha no meu rosto. Não olha pros meus olhos. Mas eu rezo sempre por ele. Peço ao nosso bom Deus que o faça cada vez mais rico e com muita saúde para que um dia ele tenha condições de devolver o pedaço de chão deste preto velho aqui. E tenho fé que Jesus Cristo há de me ouvir”.

Naquele momento eu me senti muito pequena, impotente mesmo, perante a maldade existente nesse mundo e insignificante diante da grandeza daquele ser humano, o senhor José Lourenço.


***


Alma Fugidia

Evelyne Furtado

Aonde vais a essa hora? Pergunto eu a minha alma, que sai de fininho, para não ser notada. Em vão. Eu não me desligo dela. Corpo e alma aqui juntinhos. Claro que ela faz suas viagens de vez em quando. Acontece que agora a mantenho na rédea curta. Meu coração é quem paga quando ela abusa nas escapadas. Sofre o corpo todo, em algumas situações. No fim, os músculos reclamam e as lágrimas rolam pela minha cara como se fosse chuva. Por isso hoje ela não sai. Fica aqui junto de mim, pois alma deve andar colada ao corpo. Nesses dias eu descuidei e ela saiu por caminhos orlados de flores, atraída pelos sentidos. Esbaldou-se em sonhos crus. O mel escorria pela boca. Os olhos brilhavam (os do meu corpo, claro). A promessa era farta e ela queria mais. Não teve aviso do corpo que a parasse, até que chegou a hora da verdade e ela voltou. Tive que juntar os caquinhos de alma, lavá-la com lágrimas cristalinas e sofridas, cuidar do coração e refazer os planos. Estamos bem. Podemos esperar dias melhores. A primavera começou e mesmo que aqui a gente não perceba muito, dá uma sensação de renovação. Estamos bem. Repito. Mas minha alma não sai daqui sem minha autorização. Nada de sonhar antecipadamente. Os sonhos estão sendo preparados. Na hora certa iremos juntas desfrutá-los. Por enquanto, não me faça mais chorar. Acalme-se aqui pertinho de mim. Cuidarei de você e do meu corpo para quando os sonhos estiverem prontinhos, a gente poder degustá-los.


* * *


A arte de ser Ex

Soraya Vieira

É uma arte ser Ex. Normativamente, o verbo Ser não coexistiria com Ex-. Ser não pode ser Não Ser, ou seja, Ex, mas É.

Chega! A complexidade da Língua Portuguesa é difícil.

Mas também não é nada fácil ser ex. Pior ainda ex do gênero feminino: ex-mulher, ex-namorada, ex-amada, ex-rolo, ex-caso...

Ex é sempre um problema. Ex-ruim é ruim. Mas ex-admirável, é uma tragédia.

Tantas atuais não confessam, mas adorariam que seus pares fossem viúvos? Mas viúvos profissionais! Desses que enterram todas as ex. Porque viúvo na verdade não tem ex. A defunta não perde o cargo, será sempre “a esposa, a mulher, a companheira”, só que não está mais entre nós, logo... Melhor assim. Não há disputa e... “Deus a (de)tenha em bom lugar”.

Pois é, se você não partiu dessa para melhor e além de ex, se relaciona bem com o seu ex, saiba que já foi, automaticamente, inserida pela atual e sua trupe, na categoria “fantasma” ou a “falecida” (e pior, em vida!). Escolha sua escala espectral - de invisível e aceitável como o Gasparzinho a Poltergeist aterrador, que fantasmagoria todas as óperas.

Agora, se você é ex, se dá bem com o seu ex, ele não esconde o quanto você é gente boa, inteligente, interessante, todos dizem “vocês ainda vão reatar” e, você é, desgraçadamente, bonita – Cuidado! Sua vida corre real perigo.

Ah! Aprenda a interpretar aquele sorriso lindo e as palavras gentis que a atual lhe remete – que, na frente dele, então, são angelicais. Todos são como filmes dublados, têm uma legenda bem diferente do que dizem, nem queira saber.

Aliás, essa é uma das atitudes inteligentes de ex: Melhor não querer saber. Ex não se aprofunda, paira.

Ninguém tenciona ser ex mas, se por acaso essa situação se apresente em sua vida, combine com seu ex algumas sábias regras para aplicar aos junto aos novos convivas:

 A competência profissional da ex, deve ser a própria nulidade;

- Comida de ex não pode ser melhor que a da bola da vez, nem a escolha dos restaurantes, dos vinhos, dos queijos...!

- Os lugares que já foi com a ex só agora têm cor. No passado, esse cartão postal carioca, que é a Lagoa, era um passeio tão desagradável que a imagem que você guardara era de uma poça! Tipo: “Querida, aqui não era um brejo?”

- Sexo de ex então... “Sexo, cama? Quê isso, amorzinho? Nós vivíamos como irmãos...” . Péssima, mas com jeitinho cola, o amor é cego, surdo, mudo, burro, sem tato...

Amnésia! Minha amiga, meu amigo, amnésia.

Lembre-se (e diga sempre), que a paixão atual foi tão avassaladora, que sua vida começou no dia que encontrou quem atualmente lhe aquece as costelas (e, volta-e-meia, os miolos!).

A sensual voz da ex, a piada hilária do ex, o riso gostoso da ex, como ele ficava lindo de terno, o ritual mágico de hidratar a pele da ex, os perfumes que eram feromônio puro, o salto alto com meias dela, aquela pipoca doce de madrugada que só ele fazia, os atrasos que tanto irritavam, os resultados que tanto valiam a espera...

Pára! Melhor não recordar! Corre o risco de seu olhar cintilar, soltar um suspiro imenso, um sorriso comprometedor despontar nos seus lábios e tudo isso, totalmente, fora de hora. Atente que, lembrar de ex será fora de hora, sempre!

Por fim, aprendi com um ex, e a atual que não me leia, que:

“Com os amores atuais melhor não comentar os anteriores”.

***

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