"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 16/10/2009
(próxima coluna: 9/11/2009)

ESCADA OU GUILHOTINA

Muitas pessoas assumem-se como sinceras, emitem opiniões, pareceres sobre tudo e todos. Dizer a verdade é sempre um jogo muito perigoso, exige tato, exige atenção. A verdade dita, qualquer verdade dita, pode se tornar uma escada, sobre a qual aquele que a recebe subirá e vislumbrará novas paisagens, novos contornos para a vida, bem como pode se tornar uma guilhotina que apenas corta e nada eleva, nada acrescenta, apenas parte, destroi.

Ao “dizedor” da verdade cabe a escolha do como dizer, ou melhor, se é necessário realmente dizer. Somos sempre os donos da verdade, estamos sempre cobertos de razão, por isso arremessamos nossas verdades, muitas vezes sem nenhum critério.

E o que é pior: pouco admitimos receber as verdades dos outros. Achamos que a verdade é estrada de mão única. Nós vamos aos outros, o reverso é mais difícil de acontecer. Por isso, a verdade é tão relativa, altera-se conforme o ângulo de visão. “Ah! Mas eu admito quando estou errado”, dirá a maioria. Tenho cá minhas dúvidas. Normalmente, admitimos para não ficarmos mal na foto, para que a convivência prossiga, porque não admitir significa perder muito mais.

E viver em sociedade é omitir algumas coisas para o bem comum e para a própria segurança, claro. No entanto, parece-me que, ao admitirmos um erro, sempre sobra um resquício de raiva, quase como se fosse uma derrota, admitir o erro, admitir que essa abstração chamada verdade, sempre tão irmã do orgulho, não nos pertence é muito complicado.

Já recebi “verdades” sobre minha escrita, meu jeito, enfim, sobre minha vida que realmente valeram para alargar minhas possibilidades. Porque vieram macias, cheias da tentativa de me fazer enxergar algo que até então não tinha visto. No entanto, já recebi aquela verdade mal dita (maldita?) que por mais que eu saiba do seu, digamos, fundamento, não a admiti pois ela veio cortando, destruindo.

Isso é o que mais me angustia: muita gente que usa a verdade como guilhotina, tem razão e fica difícil desmontar aquilo que foi dito, sobretudo quando dito pelo viés do humor, da ironia. Não defendo aqui um pensamento politicamente correto, de forma alguma, até porque não estou falando de subcelebridades, de políticos, de gente-casca.

Estou me referindo ao dia-a-dia, as relações interpessoais nas quais estamos embrenhados e que muitas vezes nos esquecemos de azeitá-las com delicadezas. Vamos sempre para as margens: ou a falsidade, o que faz com que a verdade se transforme em fofoca, ou a sinceridade absoluta, sem tato, que faz com que a verdade se torne arma de discórdia.

Nem tanto a terra, nem tanto ao mar, já diziam os antigos. A verdade é sempre bem vinda, desde que venha irmanada de respeito, e que seja proferida para ver o outro maior, melhor. Se é para usar a verdade como destruição, melhor o silêncio, pois nada pior do que o som virulento da guilhotina.

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