"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/3/2010
(próxima coluna: 26/3/2010)

A DITADURA DO PRATA

O Brasil sempre foi um País colorido. Nossos símbolos, nossos arquétipos são sustentados pelas cores vivas, quentes. O Carnaval explora nossa exuberância como ninguém. O folclore de todos os Estados são festas para os olhos. As comidas, as frutas, as pedras berram em amarelos, vermelhos, verdes e azuis. A bandeira nacional explode em cores vibrantes, representativas de nossa tropicalidade. A floresta amazônica, o oceano atlântico, as vastas distâncias de Norte a Sul, aquela falta de pecado no lado debaixo do Equador, tudo se reverbera em cores nada sóbrias. A pele brasileira também é muito colorida, matizada em tons e sobretons diversos. Penso que essa nossa exuberância natural seja uma das responsáveis pelos clichês e pela superficialidade com que alguns estrangeiros nos olham. Basta dar uma olhada no cinema, em como somos representados, não raro, há sempre uma arara compondo o cenário, como se essa ave fosse uma espécie de cachorro para os brasileiros, todos tem um exemplar em casa.

Fico pensando nisso, porque passei por um estacionamento e deveria ter uns 50 carros, quase todos em tons de prata. Daí comecei a observar nossos engarrafamentos e percebi que está tudo se acinzentando. Se uniformizando em uma cor muito pouco nacional. Porque num País tão colorido existe essa preferência por carros tão sóbrios? É como se houvesse uma ditadura do prata, ou de cores que vão entre o prata e o preto, mas sempre sóbrias, sempre discretas. Haveria nessa preferência nacional uma certa vontade de se centrar, de se tornar mais sério? Seria uma resposta do inconsciente coletivo da população diante da “festiva” corrupção pública que nos assola? Claro que isso são meras suposições sem nenhum cunho científico, mas essa “tristeza” prata que invade as ruas me faz pensar que os carros no Brasil já foram bicolores. Meu pai tinha um Vemaguete azul e branco, o vizinho uma Rural verde e branca. Esses dias vi uma Sinca vermelha e bege, enfim, cores impraticáveis nos dias. Havia nos anos de chumbo uma alegria nos carros populares, talvez para compensar a falta de democracia, agora que somos democráticos, estamos nos submetendo a ditadura de uma cor muito da sem graça.

A explicação lógica do mercado é que o perfil do consumidor brasileiro se tornou conservador e isso criou uma espécie de círculo vicioso: compra-se mais carros pratas zero quilômetro, pois são mais valorizados na revenda. Eis que quase mais ninguém ousa uma cor diferente porque sabe que pode perder dinheiro em breve. Enfim, o fato é que as ruas estão ficando prateadas, uniformizadas, cada vez menos brasileiras, menos tropicais. Parece que à medida que estamos nos desenvolvendo, estamos perdendo a inocência colorida que amalgamou a alma desse País. A frota de carros aumenta dia-a-dia e com ela todos os problemas consequentes. Poderiam ser pelo menos problemas mais coloridos.

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