Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 76
(Próxima: 05/9/2009)


A comunhão com Dioniso

A antiga religião grega acreditava no contato entre humanos e deuses, o qual se realizava através de sacrifícios e festas. Era nas festas que a religião viva se concentrava e nelas havia um clima de descontração geral. O número de festas era grande, e cada cidade grega tinha seu calendário particular. Dioniso, divindade conhecida como deus do vinho e do desejo, e que se manifestou sob vários nomes na religião grega, era um deus prestigiado com muitos festivais.

Entre as mais antigas festas de Dioniso estão as Dionísias rurais, que tinham como cerimônia central uma procissão barulhenta e alegrada com danças e cantos, nas quais os adeptos carregavam um grande falo. Os participantes se vestiam com máscaras ou se disfarçavam de animais. A intenção era provocar a fertilidade, como nas Lenéias, quando o condutor de tochas invocava a hierofania do deus para presidir às solenidades. Além de concurso de tragédia e comédia, a procissão tinha caráter orgiástico.

As Dionísias urbanas consistiam em danças mímicas e rituais em honra de Dioniso. Formava-se um Coro de homens disfarçados em sátiros (semideuses rústicos e maliciosos com corpo peludo, cornos e patas de bode), cujo corifeu reproduzia alguma aventura de Dioniso.

Nas Antestérias, festa das flores, aguardavam a nova brotação, o rejuvenescimento da natureza. Entre as comemorações, a briam-se os tonéis de vinho da colheita do outono e iniciavam a bebedeira sagrada. No santuário do deus era feita uma cerimônia que encenava a união do deus com a Pólis. A rainha era desposada por Dioniso, representado por um sacerdote. O Estado tolerava a ruptura de tabus de ordem política, sexual e social, pois as cerimônias visavam à fecundidade e fertilidade.

A fuga das convenções políticas e sociais era importante foi importante para a adesão das mulheres, que podiam facilmente sair das condições restritas do machismo. Durante as festas, elas percorriam montanhas dançando freneticamente. Nesse frenesi, o vinho era ingrediente importante, e tinha relação com o êxtase que provocava, levando os adeptos a “sair de si”, alcançando um estado que ultrapassava a condição humana cotidiana. Há um mito de Dioniso adolescente, quando descobriu a bebida e pôs as Ninfas e os Sátiros dançando à sua volta em consequência do estado provocado pelo vinho.

O elemento básico da religião dionisíaca é a transformação, o homem arrebatado pelo deus transportado para seu reino por meio do êxtase, é diferente do que era no mundo cotidiano. Os devotos do deus, sagradamente embriagados, cantavam, dançavam energicamente à luz dos archotes, ao som das flautas e címbalos e, após a dança vertiginosa, caíam desfalecidos.

A mania, loucura sagrada, e a orgia, agitação incontrolável, possuíam o valor de uma experiência religiosa. A mania e a orgia provocavam liberação, identificação, catarse, purificação e transformação. Quem alcançava esse estado de êxtase e entusiasmo, concretizava sua comunhão com o deus.

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