"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/2/2011
(próxima coluna: 26/2/2011)


A CRIAÇÃO DE CAVALOS

Fim da década de 1940, Morro do Jacu, interior de Araquari. Longe dali, a grande guerra tinha acabado, mas naqueles pastos poucas notícias chegavam. O que interessava era preparar a terra para a lavoura, tratar do gado, cuidar dos porcos, das galinhas e dos cavalos, viver cada dia na rotina do trabalho, na rotina dos pequenos afazeres que moldavam a vida daqueles agricultores do antigamente.

Cavalos sempre foram os preferidos de Ricardo, um dos muitos filhos de Rufino e Alice, os donos daquelas terras quase que totalmente cercadas pelo rio Piraí. Eram animais que tinham tudo o que ele gostava: velocidade, força, elegância.

E a liberdade dos pastos, dos galopes nos amanheceres, além das carreiras nas raias, a melhor diversão dos finais de semana. Ricardo cuidava dos cavalos, mas não sabia como eles nasciam.

Certo dia, lhe contaram uma história e os dias de Ricardo passaram a existir para comprovar tal história. Um dos cavalos do pai morreu, Ricardo nem ligou se era macho ou fêmea, queria mesmo era que o cavalo apodrecesse logo, afinal precisava dos dentes do cavalo para fazer sua experiência.

Rufino retirou o cavalo do pasto e o levou a um descampado, nos limites de sua terra. Logo os urubus começaram a sobrevoar o lugar, Ricardo os acompanhava de longe, quando eles fossem embora é porque tudo estaria pronto. Dias e dias de espera, aos poucos os urubus foram rareando, apenas uns poucos ainda pousados nas embaúvas e nas inhoçaras, até que Ricardo não viu mais nenhum.

Finalmente pode se aproximar da ossada do cavalo morto. Os urubus e uns dias de chuva tinham acabado com quase todo o cheiro ruim.

Ricardo aproveitou o fêmur do cavalo para passar sobre uma verruga que o acompanhava há tempos, mas nisso pouco acreditava, fez apenas porque certa vez viu um vizinho fazer, e não custava nada tentar fazer isso também. Porém, o que interessava ali eram os dentes do cavalo. Ricardo, lentamente retirou um por um como se fosse um troféu. Limpou todos nas águas ainda limpas do Piraí e os trouxe para o quintal da mãe. Entre uma horta de repolho e uns pés de cebola, plantou os dentes do cavalo, pois segundo lhe contaram, se fizesse isso, logo nasceriam potrinhos e ele não só poderia ter o seu cavalo, mas substituir ainda aquele que morreu.

Assim, no outro dia, a primeira coisa que fez ao se levantar, foi correr para o quintal ver se seus cavalos nasceram. Repetiu o gesto por quase uma semana, até que desistiu. Convenceu-se que não tinha uma mão boa para plantar cavalos.

Talvez quando ficasse maior conseguiria, ou os dentes plantados não fossem boa semente, talvez o cavalo fosse muito velho, ou tivesse trabalhado demais e por isso não quisesse nascer de novo. Tudo isso passou pela cabeça de Ricardo até que, aos poucos, entre uma caçada, uma pescaria, uma cavalgada e outra, ele descobriu como realmente nascem os cavalos...


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