Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 111 - 1ª quinzena de julho
(próxima coluna: 25/07)

AINDA DIADORIM

“Não somos nada, tudo é que procuramos” disse Hoelderlin. Temos de tentar ouvir nossa determinação e nossa esperança. Por outro lado, visto que não apenas não somos experimentados em tal ouvir, mas temos sempre os ouvidos cheios do que nos impede de ouvir corretamente” (HEIDDEGER). Por isto existe a significação. Já dizia Croce: “...a significação é visão ou intuição. O artista produz uma imagem ou fantasma, e o que gosta da significação dirige a vista ao sitio que o artista 1he assinalou com os dedos, e vê pelas janelas que este lhe abriu, e reproduz a imagem dentro de si mesmo”.

E as janelas que Diadorim abre dão para o vazio inevitável, subversivo porque descondicionante. O “vazio habitável”de que falou Barthes. A morte de Joca Ramiro aparece como necessária, esperada, vem do fatalismo nihilista do/a jovem, posto em situação de superação do código. E desespero. Sua emancipação não poderia deixar de ser trágica. Diadorim sabe de sua condição anormal de mulher travestida de jagunço, situada fora da linha que caracteriza a transgressão da condição humana. Sua paixão é a alienação guerreira, sua paixão é a queda. Sua paixão põe em risco o código, programado pelo pai: o da transmarginalidade da Terceira Margem do Rio que põe em risco o totalitarismo do todo controlado. Sua paixão é incodificável. Não é previsto o recurso à paixão: Por isso Diadorim fez com sua morte a superação da reivindicação dos direitos da paixão. Diadorim, força bruta, força instintual, animalidade revoltada, natureza indomável.

O caráter afirmativo de sua ação tem ainda outra origem: o empenhamento da significação no Eros, a afirmação profunda dos Instintos de Vida, sua luta contra a opressão social.

Não é bem a morte que é posta em questão, mas a forma como a morte é posta em significação. A concretude do chão da morte (“Não há morte, só há Fedra moribunda” escreveu Goldmann), a morte artística é posta no papel, alienada na dimensão estética, objetivada em personagem. Artisticamente estilizada. Não é apenas ela, mas a Morte na Significação! Essa tem força de mudar a realidade. A libertação só é possível se a destruição e a violência puderam ser rompidas. A liberdade é seu tema básico. Sempre opera a partir de uma determinação libertária. Não há texto sem liberdade. A libertação é um pressuposto.

Entretanto, é pessimista. Todo grande texto é pessimista. Não é o agradável, otimista, final feliz. A propaganda é otimista. Porque mentirosa. O pessimismo estético reside no fato de que a libertação não tem exemplo atestado na História, nenhum fato verídico. É sempre uma aspiração, desde Homero. Nenhuma sociedade se libertou. Ainda. Será a liberdade um projeto condenado ao túmulo do futuro? Existirá a liberdade? Aponta a um eterno porvir? O texto pessimista, não raro no risco da comédia. Mas o pessimismo radical da significação não é “contra-revolucionário”: serve para advertir contra a consciência falsa, feliz, alienada. Esse pessimismo impregna a significação até a revolução como tema. E não pode representar apenas os interesses da classe trabalhadora, pois supera a consciência de classe. Seu subjetivismo não pode ser acusado de burguês. Desde Aristóteles é considerada no seu pendor para o universal. Sempre alienada, nunca reacionária. Não há significação reacionária, porque é por força de sua própria definição uma revolução. Fora das determinações de classe, visa uma sociedade sem classe, não tem consciência de classe. Ter consciência de classe (mesmo operária) sempre a ajustar-se numa sociedade dividida em classes. A significação vê a humanidade, um todo, orgânico universal, visiona a humanidade concreta (mesmo se se considera classe operária como a “classe universal”). Não nega a luta de classe, mas a põe em reserva provisória. Num a priori. Conhecimento que é condição de possibilidade da experiência, que independe dela quanto à origem. A significação radica na natureza posterior à consciência de classe. Por isso, Grande Sertão: Veredas, que radica seus impulsos primários em Eros e Thanatos, na sedução do seduzido, na sexualidade do desejo, no Pacto, no ódio, na paixão. Os instintos básicos têm base subversiva, energia destrutiva, agressividade redentora, contra a anestesia da sociedade controlada. Principalmente dentro do ideário revolucionário da década de 60, como pode ser lido Grande Sertão: Veredas. Dentro dos programas libertários da década de 60. O homem não está condenado à liberdade, como disse Sartre, mas a liberdade lhe é roubada no mesmo ato de liberação. Sejamos realistas, diziam os estudantes de Paris, queiramos o impossível. Esta frase poderia ser dita em Guimarães Rosa. A liberação instintiva na base da mudança do sistema de necessidade. Rosa não está longe de Marcuse, por sua época. Por isso a estética de Marcuse na hermenêutica de Diadorim. Diadorim é a Droga.

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