"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/5/2011
(próxima coluna: 9/6/2011)


O RIO DE DENTRO PRA FORA

O último final de semana foi feito com aquele azul de ponta a ponta, ultimamente algo meio raro nas terras da chuva. Aproveitei e resolvi passear com o famoso Jetbus, a nova ligação entre Joinville e São Francisco do Sul, via Baía da Babitonga. Belo passeio, sem dúvida, mas não venho aqui falar da beleza da Babitonga e do casario antigo de São Francisco do Sul visto do mar; nem dos inúmeros iates luxuosos, posses de alguns luxuosos joinvilenses; nem dos humildes e poéticos barcos de pesca, com dois ou três homens sobrevivendo de caranguejos e peixes.

Venho novamente falar do Rio Cachoeira que corta o Centro de Joinville e de como o rio me revelou mais um pedaço da cidade que eu nunca supus a existência. Que o Cachoeira se tornou uma presença onipotente e poluída, todos sabemos, mas até agora eu, assim como a maioria das pessoas, só o tinha visto de fora para dentro. Só tinha visto a parte visível e agredida. O passeio me revelou que há um grupo muito grande de joinvilenses que possuem uma intimidade assustadora e fascinante com o rio.

Logo na saída, já se pode avistar as casas que possuem rampas e garagens para barcos. Mais a frente, há uma comunidade que me pareceu cheia de altos e baixos sociais. Ao mesmo tempo em que existem construções de padrão médio, há os barracos, quase palafitas. Passar pelos fundos destas casas é abrir-se a um novo olhar que a rua não fornece. São pessoas cotidianamente ligadas ao rio poluído. Uma ligação que eu pensava não existisse, pelo menos tão próxima do Centro da cidade e tão natural.

É público e notório que Joinville negaceou seu rio, hipocritamente o esqueceu, deixando-o às mazelas do progresso. Apesar das garças, do mítico jacaré, do verde que cobre as margens, ainda sobram entulhos e os “peixes-pet”, conforme ironizavam alguns passageiros. No entanto, ver como ele é compartilhado com estas pessoas que fizeram varandas nas suas margens, ver como muita gente o utiliza não apenas para esgoto, recupera a possibilidade de fazer com que ele seja uma onipotência despoluída.

O bom do passeio foi perceber o quanto Joinville pode ficar mais ligada ao mar, o quanto esse trajeto pode ser pensado e repensado como uma via, muito mais do que turística, uma via de transporte cotidiana, como já foi um dia.

E o que me deixa mais esperançoso é que quanto mais pessoas virem o rio de dentro pra fora, quanto mais se assustarem com suas águas imundas em contraste com a beleza estranha de suas margens, seja na parte urbana, seja na parte ainda intacta dos mangues, mais existe a possibilidade de uma conscientização, de uma luta comum em prol do salvamento do rio. Este serviço já é feito silenciosamente pelos animais que, aos poucos, vão habitando as margens do Cachoeira, só falta a cidade juntar-se a eles, acreditar que é possível recuperar o rio para que ele deixe de ser uma mancha e torne-se novamente um belo caminho de água.

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