"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/10/2011
(próxima coluna: 26/10/2011)

A ENCRENCA

A minha professora de francês (sim, podem dizer “ai, que chique!”) tem uma palavra que ela usa muito: encrenca. É o jeito que ela expõem algumas dificuldades ou peculiaridades da língua francesa: “isso é uma encrenca”. Eu me pus a pensar nessa palavra, estranha, engraçada. O que é uma encrenca? De que lugar veio? Será que ela é uma palavra para o País todo? Essas perguntas que se fazem os apaixonados por palavras.

Os dicionários atribuem uma origem obscura, alguns até dizem que é uma forma popular brasileira para definir dificuldade, embaraço, coisa que não funciona, ou para se referir àquele indivíduo que complica tudo, o chato, o encrenqueiro. O dicionário Houaiss traz algumas informações interessantes sobre a origem dessa palavra. Ela pode ter vindo do espanhol “enclenque”, que quer dizer adoentado, doentio. Ou seja, toda doença é uma encrenca na vida da gente, faz todo o sentido. Porém, faz sentido também a palavra ter vindo do latin “clinare”, que é pender, inclinar. Um quase tirar do eixo. Outra origem da palavra encrenca pode vir da língua languedociano “cranc”, que quer dizer coxo, impotente, decrépito. Aqui é preciso abrir um parênteses: esta língua languedociano é um dialeto falado na região Sul da França, em parte da Itália e na Espanha, também conhecida como língua d'oc. São as encrencas do estudo: uma coisa leva a outra e é difícil parar, ainda mais com a internet, essa outra encrenca maravilhosa que nos abre infinitas portas e janelas.

O dicionário Houaiss também traz uma informação bem próxima de nós, catarinenses. A palavra encrenca por aqui vem muito associada com a cultura alemã, que muitas vezes usa em seu lugar a também simpática e esquisita “estroina”, dito com sotaque carregado. Estroina (lê-se “estróina”) é um adjetivo para gente gastadora, sem conse- quência. Não me lembro bem, mas tenho a impressão que já ouvi essa palavra por aí.

Seja por qual origem for, a palavra encrenca continua viva, continua servindo para qualificar esposas, sogras, situações complicadas, mas sempre algo meio inconsequente, ou melhor, meio sem consequências maiores. Algo difícil de resolver mas não impossível. Além disso, tem o velho e bom encrenqueiro, que, na maioria das vezes, é uma pecha não muito agradável de se levar. O encrenqueiro raramente é visto com simpatia: “ih! lá vem...” e todo mundo sai de fininho, sai de banda, pois a encrenca não é muito agradável. Ela é, digamos, menos séria que o problema. Há na encrenca uma informalidade, um jeito moleque de ser, daí, talvez, seu som engraçado e seu uso na língua sempre em momentos mais despojados.

Em tempo: fui ver como é a encrenca dos franceses, os dicionários trazem as palavras “embarras” e “difficulté”, que correspondem ao nosso “embaraço” e “dificuldade”. Mas os dicionários também trazem uma palavra correspondente para encrenca que dificilmente minha professora vai usar: é bastante reveladora e sem necessidade de tradução “emmerdement”.

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