Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 121 - 1ª quinzena de dezembro
(próxima coluna: 24/12)


O 1º capítulo deste importante romance mereceu matéria de página inteira no Jornal "Amazonas em Tempo", em 13/12/07.
Clique aqui para ler a reportagem na íntegra


"TEATRO AMAZONAS"
(Romance inédito)

 

            1. O TEATRO VAZIO


          
Elegante como sempre, na faiscação de seu anel de brilhante, o deputado Fernandes Júnior chegou cedo ao prédio da Assembléia Legislativa Provincial, que ainda estava fechado, pelo que ele teve de entrar pela porta lateral, reservada aos faxineiros, secretários, auxiliares administrativos.
           Era uma bela manhã de maio de 1881.
           Ele trazia consigo o rascunho do texto que mudaria a história do Amazonas. O deputado prometera à sua mulher, D. Auxiliadora de Nazaré, que naquele mesmo dia levantaria o pleito de se construir um teatro de alvenaria na cidade de Manaus.

           Aquela cidade só dispunha de três espaços para espetáculos: o “El Dorado”, o “Éden-teatro” (um barracão de madeira) e uma sala no Edifício da Beneficência Portuguesa, onde se representou “São Benedito”, uma peça popular.

           O deputado logo que chegou ao gabinete começou a revisar a redação do texto de seu projeto.

           Na noite anterior, no Éden, a exigente D. Auxiliadora assistira “Ghigi”, de Gomes de Amorim. Anos atrás, a “Justiça”, de Camilo Castelo Branco, em 1869.

           A vida em Manaus era exuberante, elegante e rica, e bem alegre, já naquela época. Era o início do apogeu de uma sociedade que enriquecia rapidamente, com a extração da borracha. Fernandes Junior e sua mulher, elegantes, viviam em festas, piqueniques e espetáculos teatrais. Os salões de sua casa se abriam todas as semanas, nas noites das sextas-feiras, para receber amigos. E nos domingos, numa grande mesa sob o caramanchão do jardim, era oferecida uma tartarugada, ou uma peixada, almoço festivo regado a vinho português, sucos de diversas frutas, complementado com várias compotas de doces amazônicos e banhos nas águas limpas do igarapé que passava atrás da casa.
           Aquilo ia até ao anoitecer: Lima Bacuri, Alarico José Furtado (presidente da província do Amazonas), Emílio Moreira, João Coelho e outros freqüentavam aquela mesa, acompanhados pelas esposas, filhos, babás e empregados, congestionando a rua da Conceição, onde morava o alegre deputado. Entre os convidados, o rico comerciante Manuel de Oliveira Palmeira de Menezes, chefe da casa Menezes, Gomes & Cia, o primeiro contratante da obra de construção do teatro, que depois passou para Alexandre Dantas que passou para Rossi & Irmãos da Itália, todos impossibilitados de realizar a obra pelos 493 contos contratados.

           Fernandes Júnior era um dândi, simpático, educado, conhecia Paris, tinha certo refinamento, elegância e alguma cultura, alguma leitura, principalmente de autores portugueses.

           Seu projeto era bem modesto, apenas 60 contos de réis, para a construção de um teatro. Aprovaram em 120 contos. Mas as obras pararam. Quase dez anos. E chegaram a milhões de contos de réis. Foi uma obra faraônica, uma das maiores e mais dispendiosa obra da República, até hoje.

           O deputado Antonio José Fernandes Junior faleceu no Maranhão no dia 24 de abril de 1894, treze anos depois de ver o seu desejo de construção do Teatro realizado, ainda que com grandes, gigantescas modificações. Chegou a ver o Teatro Amazonas “erguido e em pleno apogeu”, como escreveu sobre ele o grande historiador Mário Ypiranga Monteiro.

           Um século depois, estando Paravotti no Brasil em 1995, fez questão de ir a Manaus apenas para conhecer o Teatro, que foi aberto só para ele. E cantou para o Teatro Vazio. Em 1996, foi a vez de José Carreras.

           O Teatro estava entretanto lotado.

           Em 29 de março de 1990, escreveu Paulo Francis: “- Rio de Janeiro - Leio no suplemento do "Sunday Telegraph" que alguém chamado Mário Ypiranga Monteiro conta (em três volumes...) a história da decadência do Teatro Amazonas, com "grande escrupulosidade", nota o autor do artigo, Nicholas Shakespeare, que é o editor de livros do jornal e convidou Ivan Lessa para resenhar um livro chamado "Samba", de uma gringa, que esta semana, por sinal, está escrevendo sobre a derrota dos sandinistas na "New York". Esqueci o nome da bicha, mas não tem maior importância. Depois eu conto. Pelo nome, é morena como você...
           “Monteiro, descrito por Shakespeare como professor (hum... lá vem "outrossim") de literatura, pequeno e de pernas arqueadas, diz ter começado a obra em 1932, e que sua versão é a verdadeira e que a Enciclopédia Britânica errou. Bem, se ele mandar o livro à Folha para mim, prometo ler e resenhar.
           “Estreei em teatro no Teatro Amazonas, em 1951 ou 1952, fazendo o frei Lourenço, em "Romeu e Julieta", daquele outro Shakespeare, em tradução em verso de Onestaldo Pennaforte, que, assim, de lembrança, de orelhada, me pareceu bastante boa. Nos ensaios, minha voz não chegava ao fundo do minúsculo teatro Duse, em Santa Tereza, Rio, de propriedade de Paschoal Carlos Magno, crítico e incentivador do teatro brasileiro, que mantinha o Teatro do Estudante. Quando entrei em cena no Teatro Amazonas ouvi uma voz ribombar: "não tarda o sol". É a primeira fala de Frei Lourenço e a voz era a minha que, misteriosamente, soltou-se para sempre. O teatro é belíssimo, apesar de esculhambado como tudo no Brasil. Mas sempre quis saber dessa aventura amazônica de Ford e de outros tipos. Me diverti lá. Mas cá entre nós, o calor é... amazônico. Só me lembro de coisa semelhante na minha breve passagem por este país "gângster", o Iraque, em que um inglês, ao nos despedirmos no hall do hotel, me disse "você vai acordar amanhã às 5 da manhã". Não dei importância, até que acordei às 5 da manhã, porque lá o sol nasce a essa hora e faz 50 graus à sombra. Estive em Manaus, bebi todos os sucos, passeei pelo rio Amazonas, e, Waaal, trabalhamos em várias peças, "Espectros", de Ibsen, "Hécuba", de Eurípides etc. Um massacre, ocasionalmente aliviado pelo talento individual de uns e outros.
           “Esta é uma das histórias mais engraçadas da minha vida. Um amigo, Marcelo Aguinaga, e eu estávamos com problemas em casa e resolvemos atender a um anúncio no "Correio da Manhã", pedindo candidatos a atores para uma viagem ao Norte e Nordeste. Tal boca livre, porque jamais pagando, nos atraiu ao já referido teatro Duse, em Santa Teresa, parte da casa de Paschoal Carlos Magno. Isso faz quase 40 anos. Esperávamos, Marcelo e eu, segurar lanças como soldados em algumas produções, em suma, trabalhar como extras, valendo-se da nossa altura incomum no Brasil, e nada mais. Saímos da casa de Paschoal com cinco papéis, cada um, em produções diversas. Fiz bons amigos nessa viagem de quem nunca mais ouvi falar, mas lembro deles com saudades.”

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