"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/3/2012
(próxima coluna: 9/4/2012)

A palavra palavra

Nada existe fora da linguagem. Usamos a linguagem para explicar, entender, descrever, sentir. De uma forma ou de outra tudo sempre acaba se tornando palavra. É nosso jeito de estar no mundo, de ser o mundo.

A palavra “palavra” vem do grego parabolé, transformada no latim em parábola. Aquela mesma tão comum aos cristãos, já que Jesus falou muito através delas. A palavra acompanha a humanidade desde sempre, são milhares em cada idioma, vão se perdendo, se transformando, nascendo e renascendo enquanto o idioma estiver vivo. Normalmente não damos muita atenção às palavras, não percebemos que elas são feitas de dois elementos: o significante e o significado. Este último é, obviamente, o que a palavra quer dizer, o que ela significa, já o significante é o seu som ou como ela é “desenhada” sobre o papel. É justamente nesse ponto que não prestamos muito atenção: na beleza ou na feiura das palavras distanciadas de seu significado. Por exemplo, “aspereza” não tem um significado muito interessante, mas sonoramente e graficamente é belíssima, totalmente equilibrada, tanto no som quanto na escrita. E assim acontece com milhares de palavras, basta abrir o dicionário e se deliciar com lesim, ordálio, rezingar, trelência, palavras cujos significados escondem-se pelo pouco uso, mas com significantes que podem nos lançar em lugares que só a imaginação pode levar. A poesia faz muito isso: retirar a palavra de seu lugar comum e lançá-la no mundo vasto da metáfora.

Mas palavras não são apenas essas unidades gráficas e sonoras que podem ser vistas isoladamente, poeticamente. É com a palavra que sustentamos sistemas, religiões, fanatismos, amores, democracias, justiças e injustiças. A palavra está na base das artes, não apenas da literatura, mas está também nos pequenos gestos: é com a palavra que ferimos, salvamos, afagamos ou ofendemos, amamos, perdemos e ganhamos. A palavra não é algo que a gente apossa, a palavra não nos pertence como um objeto ou uma escolha, nós somos palavras, nosso pensamento é palavra, nós não temos uma linguagem, nós somos uma linguagem. Até mesmo Deus é palavra, tanto como já anunciado nos belos versos do apóstolo João (1,1): “no começo a Palavra já existia: a palavra estava voltada para Deus, e a palavra era Deus,” quanto na crença ou descrença: argumentos contra ou favor da Sua existência acontecem pela palavra. Não há escapatória.

Estamos tão imiscuídos com a linguagem que esquecemos muitas vezes de olhá-la com um pouco mais de carinho, de perceber sua força mas também a sua fragilidade, de perceber seus meandros, seus caminhos e descaminhos. Muitas vezes usamos a expressão: “faltam-me palavras”, não acredito que possam faltar palavras, talvez falte memória, leitura, poder de concisão ou descrição, mas palavras nunca faltarão. Pode haver um número finito delas no mundo, se contarmos as palavras de cada idioma na terra, uma hora vai acabar, mas o que nunca acabará é a capacidade humana de inventar, de criar, de desdobrar cada palavra em outras. Enquanto tivermos essa habilidade nos manteremos mais do que seres humanos, seres palavras..

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