Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 133 - 1ª quinzena de junho 2008
(próxima coluna: 25/06)

O 1º capítulo deste importante romance mereceu matéria de página inteira no Jornal "Amazonas em Tempo", em 13/12/07.
Clique aqui para ler a reportagem na íntegra

FOTOS DE ALGUNS PERSONAGENS (FILETO PIRES FERREIRA, EDUARDO RIBEIRO, W. SCHOLZ, ETC.) E LUGARES DO "TEATRO AMAZONAS" EM: http://www.flickr. com/photos/ 12439475@ N05/sets/ 72157603842512154/

"TEATRO AMAZONAS"
(Romance inédito)


           13. HOTEL BRASIL, PARIS

          – Mas uma concha acústica é indispensável para a realização de concertos nas salas de espetáculos, disse José Brandão, já suado e nervoso.
          O professor Carlos Augusto estava em Paris para observar a metodologia de ensino nas escolas de S. Gil, de Bruxelas. Na época era Secretário da Educação do Amazonas. Na manhã do dia seguinte aproveitou para dar uma caminhada no Jardim de Luxemburgo, ali perto. Depois foi pelo Bulevar Saint-Michel até a rua da Sorbonne, voltou pela Saint-Jacques , dobrou a direita até a rue le Golf, onde ficava seu hotel. Depois da caminhada, sentou-se na sala de recepções, lendo os jornais. Foi quando viu entrar pela porta o seu amigo Lourival Muniz.
          Muniz tinha sido seu colega de escola. Ambos foram alunos do maestro Adelelmo. Lourival Muniz estava acompanhado de Lourenço Mello, que desde jovem já falava muito bem francês, que era um pequeno gênio, um pequeno caboclo amazonense genial. Mello nasceu no rio Purus, em Ayapuá, em 1854, trabalhou no comércio, na catequese dos índios “muras”, foi Diretor de Índios e Delegado de Polícia.
          Muniz tornou-se violinista, como seu mestre Adelelmo. Estava na Europa aperfeiçoando sua técnica com vários professores. Lourival Muniz foi talvez o melhor aluno do maestro, capaz de escrever uma transposição de tom de improviso.
          Logo se reuniram os três na mesma mesa.
          – Felix Weingartner vai reger a orquestra de Viena amanhã, disse Muniz. Eu consigo ingressos.
          – Excelente! exclamou Augusto.
          – Como vai nosso Teatro Amazonas? Perguntou Lourenço Mello.
          – Este ano tivemos “La Boêmia” em janeiro. A programação de janeiro foi fecunda, disse Bittencout. A “Cavalaria Rusticana”, “I Pagliacci” e outras.
          – Não diga! Fez Muniz, batendo as mãos com expressão animada.
          – Sim, continuou Augusto. Em “I Pagliacci” o cantor fez sucesso com o “Vesti la giubba e la faccia infarina”.
          – Sim? E o maestro?
          – Era o mestre Carvalho Franco. Estava com a Companhia Tomba, com oitenta figuras, dirigida pelo Maestro Gennaro Pesce.
          E tirou um jornal da pasta, que abriu sobre a mesa:
          – Aqui está no jornal italiano “Almanacco”.
          – Mas não diga! Exclamou o aluno de Adelelmo. Estamos no circuito internacional.
          – Sim, sim, disse Carlos Augusto. E teremos “Salvador Rosa” de Carlos Gomes, duas de Puccini...
          – Bohême e Manon Lescaut...
          – Sim. E mais Verdi e Rossini.
          – O maestro Franco está-se desgastando na corrida empresarial. Ele é mau negociante, atrapalhado, distraído. Por isso ganhou fama de mau pagador.
          – O quê?
          – Sim, ele tem muitos inimigos...
          – Invejosos...
          – E como é um artista, está todo atrapalhado. Os músicos da orquestra estão debandando... Por isso, para saldar os pagamentos, fez uma récita dedicada a Sebastiana Nery, esposa do governador. A alta sociedade compareceu, pagando caro. As entradas eram muito caras, mas foram todas vendidas.
          – Mas ocorreu um desastre que pode prejudicar a vida cultural no Amazonas, disse Augusto.
          – Que foi? Perguntaram os outros dois.
          – A atriz Giannina Barone faleceu, vítima de malária, a bordo do vapor “Rio-mar”.
          – Céus!
          – Sim foi, disse Augusto.
          – E houve outra morte, não foi?
          – Sim, amigos. A cantora Anita Occhiolini, da Companhia Tomba, morreu em Belém, dizem que também vítima da malária.
          – Que é isso?
          – A “Folha do norte”, do dia 12, disse que ela morreu de febre amarela na Casa de Saúde São Francisco, de madrugada. Tinha 33 anos. Nem chegou a cantar em Belém, pois só apareceria em “ Pallacci”.

 

          Rio de Janeiro, maio de 1897. Costa Azevedo e Gregório Thaumaturgo se encontram na porta da tipografia do Jornal do Comércio, na Rua Moreira César, 59-61.
          Thaumaturgo corrigira as provas do seu livro de acusações contra o ex-governador Eduardo Ribeiro, livro intitulado “Eleição Federal” (a eleição para Senador de 30 de dezembro de 1896).
          – Neste folheto estão a contestação e os pareceres da Comissão, diz o General Thaumaturgo de Azevedo. Foi o que apresentei, com um correligionário, à Comissão de Poderes da Câmara dos Deputados.
          – Certo, disse Ladário, tossindo.
          Costa Azevedo era o Barão de Ladário.
          – Todos os documentos e o artigo do José Rodrigues Vieira estão aqui.
          – Eduardo Ribeiro pretende meu lugar no Senado, disse Ladário. Você publicou meu artigo?
          – Sim, respondeu o outro, com um puxão no pescoço. E mais, publiquei a lista dos terrenos roubados por Eduardo Ribeiro enquanto governador.
          – A eleição de 30 de dezembro foi fraudada, disse Ladário, tossindo. Eu venci.
          Resolveram jantar juntos, discutir melhor o assunto. Continuaram falando enquanto se encaminhavam em direção ao carro que os levaria ao restaurante.
          – Ainda que tivesse sido eleito legalmente, disse o general Thaumaturgo, entrando no carro, não pode ter assento no Senado sem primeiro se defender das acusações que pesam sobre ele.
          Minutos depois, entravam na Colombo.
          – Eduardo entrou pobre e saiu milionário, acrescentou o general.
          – Ele mesmo contou que, num só dia, gastou 80:000$000 com a eleição.
          – Onde ele disse isto? – perguntou o general.
          – Diante da Comissão do Parlamento, perante um grande auditório.
          – Louco. E faz alarde! E ainda diz que as autoridades lhe obedecem.
          – Ele disse que “Fileto era criatura sua”, continuou Ladário.
          Riram-se.
          – Fileto está contra ele, fez o General com o dedo.
          – Se tudo for provado, ele não senta no Senado, argüiu Ladário, bebendo o copo d'água que o garçom lhe tinha posto em frente. Não entra!
          Thaumaturgo também bebeu água.
          O General se vingava de seu maior desafeto. Thaumaturgo odiava Eduardo Ribeiro e o Marechal Floriano, que o depuseram do cargo de Governador do Amazonas em circunstância humilhante. Thaumaturgo tinha aderido ao golpe de Deodoro, contra Floriano, mas veio o contra-golpe vitorioso de Floriano e este ordenou sua deposição. Eduardo e Fileto participaram da deposição. O general tentou resistir à bala com “um exército de índios” (disse Eduardo Ribeiro). Algumas pessoas foram feridas no cerco ao Palácio, mas Thaumaturgo acabou saindo de madrugada no navio do Loyd Brasileiro que partia para o Sul.
          Homem de grande dignidade, nunca perdoou a humilhação. Agora dava o troco. O Marechal Floriano tinha falecido dois anos antes.
          – Ele afirma que as acusações não são verdadeiras, disse Ladário, tossindo.
          – Mas eu venho com provas materiais.
          – A eleição dele para o Senado foi o caos, disse o Barão de Ladário. Houve violência, fraude, sumiram votos.
          – A cadeira de governador pertencia, por direito, a Jônathas Pedrosa, republicano histórico, médico distintíssimo, cidadão de reputação ilibada e o mais popular do Amazonas.
          – Imagine, general, que o Eduardo teve coragem de me atacar, por telegrama, dizendo que “me substituiria na cadeira em que tão impatrioticamente eu me sentava”.
          – Insulto, general, um insulto!
          – O patife pensa que é deus, concluiu o outro.

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