JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Colunas de 16/11
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Ojeriza a São Paulo, uma arma na eleição

                                     JK foi o terceiro colocado no maior eleitorado, mas ganhou a eleição

A aversão a São Paulo, que está na moda nesta mudança de governo, conforme reportagem deste jornal (Ataque a SP vira arma em disputa por espaço político, 12/11, A8), não é propriamente uma novidade. Já no primeiro governo Fernando Henrique, não se chegou a falar numa “despaulistização”, que é o caso agora, mas se empregava outro neologismo de maneira pejorativa, “paulistério”, para execrar o que o restante do País achava ser um número exagerado de ministros oriundos daqui. O novo nesta onda antipaulista do momento é ela partir de cima, vir de uma grande vitória eleitoral e ser comandada pelo vencedor: na guerra movida ao Estado mais rico e populoso da Federação, Ciro Gomes, paulista de nascimento, pode até ser o profeta, mas o ocupante do altar-mor é o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Mestre em criar “desrealidades” e “desrazões”, recorrendo aqui a mais dois neologismos, criados por Gaudêncio Torquato neste espaço, o candidato à reeleição presidencial inventou o mito da própria nordestinidade: ao contrário de seu lugar-tenente nesta nossa versão da Guerra da Secessão em pleno século 21, Ciro Gomes, rebento de oligarquia cearense, mas nascido no Vale do Paraíba, Lula nasceu em Caetés, no interior de Pernambuco, mas migrou ainda criança para Santos e, depois, para o ABC paulista. O presidente reeleito é um típico produto da política paulista. Afinal, não é um Gomes de Sobral, não pertence à “zelite”, como o companheiro Bruno Maranhão, dublê de usineiro e líder sem-terra, nem tem entre seus ascendentes usuários da patente de coronel da Guarda Nacional. É um ex-pobre Silva qualquer. Nosso “guia supremo” também não tem conexões com as Ligas Camponesas de Chico Julião nem com o coronelismo socialista de Miguel Arraes, que acaba de mostrar seu poder e sua glória elegendo Eduardo Campos, neto do patriarca, para o governo do Estado onde ele nasceu. Nada disso! Sua liderança foi forjada no ambiente tipicamente paulista da região industrial do ABC, na Grande São Paulo, mais assemelhada a Detroit que a Garanhuns: constituinte e ex-candidato derrotado ao governo paulista, o político Lula é tão nordestino quanto o astronauta russo Yuri Gagarin.

O Lula retirante desta eleição é um mito do marketing político idêntico ao Lula metalúrgico de suas origens sindicais e ao “Lulinha paz e amor” inventado por Duda Mendonça em 2002 para apaziguar os ânimos da classe média, assustada com as ameaças de ruptura de uma eventual gestão petista com a ordem financeira capitalista internacional. Mas, como toda mentira eficaz, esta se fundamenta em dados verdadeiros: o mito reforça a identificação do presidente com o brasileiro pobre comum, em contraponto ao paulista abastado.

Na construção dele, o vencedor foi ajudado pela ignorância dos adversários por ele derrotados, não apenas no que diz respeito à sensibilidade do eleitor comum, mas também a princípios elementares da aritmética e a lições da história política republicana. O fato de São Paulo ser o maior dos 27 colégios eleitorais não lhe assegura o condão de eleger o presidente da República sozinho, pois há outros 26 e a soma dos votos destes é muito superior à do líder, isoladamente. Isso explica fenômenos políticos exclusivamente paulistas que nunca alçaram vôo para além dos limites estaduais. Os exemplos de Ademar de Barros, Paulo Maluf e Mário Covas não deixam ninguém mentir.

Nesta campanha eleitoral, Lula teve a competência e também a desfaçatez de confinar o adversário tucano, Geraldo Alckmin, nos limites de São Paulo e, de certa maneira, do Sudeste e do Sul ricos, empunhando o estandarte do Brasil pobre (na verdade, mais dependente economicamente da ajuda estatal). Para isso contou com a cumplicidade da incompetência de seus adversários. Estes, que também usaram e abusaram do nome de Juscelino Kubitschek, na moda mercê da minissérie de Maria Adelaide Amaral na televisão, não conseguiram sequer aprender com o exemplo dele. Na campanha presidencial de 1955, o mineiro Tancredo Neves, coordenador da campanha presidencial do PSD, reuniu empresários paulistas no Hotel Othon para lhes pedir ajuda financeira. Os convivas, porém, ficaram reticentes por conta da convicção do pífio desempenho eleitoral do ex-governador de Minas em São Paulo. “Se Juscelino tiver 200 mil votos em São Paulo, se elegerá”, previu, ousadamente, a raposa felpuda do pessedismo. JK teve 205 mil, um total pouco significativo mesmo à época. E venceu a eleição. Ademar de Barros e Juarez Távora foram mais votados que ele no maior colégio eleitoral e perderam.

A nova Guerra da Secessão, que Lula estimulou nesta última campanha, contando para tanto com a oratória incendiária de Ciro Gomes, é condenável do ponto de vista da ética e da responsabilidade, mas o ajudou a impor ao paulista de berço e formação Alckmin 20 milhões de votos de vantagem. Será prudente que os tucanos, que levaram José Serra ao Palácio dos Bandeirantes, considerem conta essas lições de aritmética e história, se não quiserem malograr de novo daqui a quatro anos. A moda da “despaulistização” do comando político, registrada no noticiário político neste fim de semana, pode ser, mais que um exercício analítico, o prenúncio de que, no segundo governo, o presidente petista aposte mais seu poder, sua força, seu prestígio e seu talento político na segregação política de São Paulo. Governar este Estado de maneira competente e honesta tornará José Serra um forte pretendente à sucessão de Lula, mas não será a única circunstância para torná-lo imbatível na disputa contra o candidato oficial em 2010, seja ele quem for e de que partido for. A ojeriza a São Paulo nos outros Estados pode ser, de novo, uma arma de efeitos mortíferos.

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