JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Colunas de 30/11
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Leão faminto

          Robin Hood pelo avesso

          Ano após ano, é o mesmo Mané Luiz, como se dizia no sertão no meu tempo de meninice: o governo dá uma de João sem braço e empurra com a barriga a correção da tabela da relação entre renda do contribuinte e alíquota alegando que, se ela for feita, haverá um déficit no caixa. Não existiria, portanto, a rigor, novidade nenhuma em mais essa tunga promovida pela Receita Federal contra o bolso furado do brasileiro. Pois o Leão do Fisco é o único animal no reino da natureza que quanto mais come mais fome sente e quanto mais morde mais voraz fica, ao contrário dos outros que, saciados, relaxam e dormem, felizes e bonachões. A inovação incorporada pela burocracia petista a essa ocorrência sazonal é que ela trouxe um argumento totalmente inusitado à baila: o de que a correção significa uma reindexação da economia, como se a justiça fiscal fosse inflacionária. Trata-se evidentemente de uma falácia cruel. Pois a falta de correção da tabela é moralmente indefensável e socialmente iníqua. Ocorre que, sem ela, muitos contribuintes pobres, antes isentos, passam a ser pagantes. E os pagantes têm suas alíquotas aumentadas sem o correspondente aumento da renda. É por isso que a arrecadação de impostos sempre aumenta e a renda do trabalhador continua caindo. Dessa forma, a classe média paga a conta toda e, embora todos sejam convocados a colaborar para o Leão voraz, os menos favorecidos são os que mais arcam com o ônus da derrama. O Fisco da gestão do Partido dos Trabalhadores é um Robin Hood pelo avesso: ele toma dos pobres para não dar aos ricos. Pois o produto do saque vai para os cofres da viúva, que é muito avara com os que trabalham e generosa demais com a companheirada que toma de assalto as boquinhas na máquina pública. A ordem é escorchar o estranho para saciar o apetite do amigo.



           Orgulho e preconceito

          Outra novidade terrível é que antigamente os secretários da Receita calavam ou tergiversavam sobre o assunto. A turma que está no poder agora é arrogante e brutal. Ao justificar mais esse adiamento da correção para as calendas, o secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro , execrou a "paranóia das viúvas da indexação, que querem atualização todo ano" e também o "egoísmo de uma meia dúzia que quer um proveito pífio individual". No Brasil sob a égide do PT e de Lula, os cidadãos que reclamam seus direitos são rotulados de "privilegiados egoístas". Então, fica combinado: quem paga os impostos em dia e quer receber de volta o que lhe foi tomado de forma indevida é o vilão e mocinho é o político ou burocrata que o furta ou gasta mal.



           Mãe é mãe e vaca é vaca!

          Justiça seja feita ao truculento burocrata: apesar de significativa para o caixa do governo, o que a correção propicia ao contribuinte não é irrelevante, mas também não justifica muito estresse. Quantificar o resultado individual da correção como "proveito pífio" é exato contabilmente e também a melhor explicação para essa evidente tunga não motivar nenhuma entidade de classe nem mobilizar nenhum pai da pátria a brigar pelo exercício do direito que cada cidadão tem de receber de volta qualquer quantia que lhe foi subtraída além da que devia, não importando se grande, pequena, representativa ou pífia. Ricardo Pinheiro não sabe, mas, como a gravidez, ela não comporta graus: tunga é tunga, direito é direito, assim como mãe é mãe e vaca é vaca!

 

          Pífia, uma ova!

          Só que, mesmo sendo "pífios" os resultados, quando considerados em cada ano isoladamente, eles configuram uma artimanha tributária que termina tendo um impacto muito forte sobre as finanças de uma parcela expressiva dos contribuintes, pois não corrigir é sinônimo de cobrar mais. Estes se concentram, fundamentalmente, na classe média, que, conforme demonstrou reportagem recente publicada no jornal O Estado de S. Paulo , paga cada vez mais impostos e gasta cada vez mais para obter serviços que o Estado tinha obrigação de oferecer como contrapartida aos impostos que cobra. Embora esteja espremida e oprimida, a classe média responde por cerca de 60% da arrecadação total do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). E esta não é uma parcela pífia.

 

          Ingrato e esperto

          A classe média, que Ricardo Pinheiro insulta, é também a principal pagadora de outros tributos e pode ser considerada responsável por boa parte dos recordes de arrecadação tributária que a Receita Federal tem comemorado mês após mês. Como o total arrecadado pelo Fisco federal em outubro, de R$ 36 bilhões, foi o mais alto deste ano e o segundo melhor resultado mensal de todos os tempos, é o caso de concluir que, além de rugir mesmo quando está saciado, o Leão da Receita Federal morde de forma mais feroz a mão de quem o alimenta. Sem contar o fato de que este órgão arrecadador costuma atrasar a restituição do Imposto de Renda recolhido a mais, alegando dúvidas, erros ou suspeitas inexistentes.

 

          HERÓIS BRASILEIROS

          O contribuinte honesto

          O cidadão brasileiro trabalha 4 dos 12 meses do ano só para pagar impostos. Com isso, ele sustenta uma máquina que não lhe dá segurança, educação nem saúde. Mas que contempla com aposentadorias privilegiadas os apaniguados dos donos do poder e trata com excessiva benevolência mesmo aqueles que se locupletam dos cargos para obter proveitos próprios, nunca pífios. Além disso, sempre leva desvantagem em relação aos sonegadores, sistematicamente beneficiados com planos de anistia de dívidas fiscais.

 

          Toninho Malvadeza

          A entrevista de Antonio Carlos Magalhães nas páginas amarelas da revista Veja é um primor de sagacidade política e também contém obviedades que fogem à capacidade de observação daqueles que Nélson Rodrigues chamava de "idiotas da objetividade". ACM garante que mais uma vez ressurgirá das cinzas, só que desta vez não por causa de seus méritos, mas, sim, pela crônica incompetência de seus adversários e desafetos. Mesmo sendo ele um homem de idade avançada e tendo problemas de saúde, que afetam principalmente o coração, metade dele emprestado de um boi, não é de todo improvável que a profecia se realize. Quem viver verá. Afinal, o chefão do PFL não é propriamente um estreante no papel de fênix.

 

          Waldir Moleza

          Toninho Malvadeza é do tipo que fica sentado à margem do rio esperando que o cadáver do inimigo passe boiando à sua frente. Ele lembrou na entrevista que foi dado como morto quando Waldir Pires o derrotou numa eleição na Bahia, que esteve muitas vezes sob seu domínio e agora ficará sob a égide do PT de Jacques Wagner. No Ministério da Defesa, a que se subordina a Aeronáutica, responsável pelo controle dos vôos em território nacional, o desafeto lhe está dando grandes alegrias. Sua atuação desastrada expõe o flanco do governo de uma forma difícil de recuperar. O caos anunciado dos aeroportos nas férias vindouras atormentará a vida de muitos viajantes, mas talvez seja uma notícia boa para ACM.

 

          Mico multicultural

          Quem ouviu no rádio o convite feito, de viva voz, por Alceu Valença para um show no Citibank Hall, em São Paulo, com convidados, numa avant-première do carnaval pernambucano, e pagou para ver ficou com o maior mico. Com discurso do prefeito João Paulo, do PT, um vídeo promocional da festa "multicultural" (quanta pretensão!), evoluções de maracatu e caboclinho, uma crooner cantando sucessos de Xuxa e uma inoportuna homenagem da excelente orquestra de Spock a Chico Science, o espetáculo só foi salvo pela oportunidade rara de ouvir a rápida aparição do mito Claudionor Germano e pelos números em que brilharam o multi-instrumentista Antônio Nóbrega e sua mulher, a passista Rosana. Um desperdício!

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