Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 155 - 1ª quinzena de junho 2009
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

O IGARAPÉ DO INFERNO, 13
(Romance inédito)       

Noite escura. Chuva. João tirou da gaveta o lápis e o caderno e começou a escrever. Molhou primeiro a ponta do lápis com saliva. “Querida mamãe, daqui espero que a senhora esteja bem, junto com a maninha e todos aí. Eu estou trabalho agora, na casa de um senhor muito idoso, muito doente, chamado Manuel. Meu patrão é meio louco, mas é um bom patrão. Ele diz que vai morrer logo, os médicos dizem que ele tá pra morrer e ele não vai durar muito.”

Pela janela, João via cair a chuva, pesadamente. Ouvia a chuva. A luz do quarto oscilava. João sentiu-se perseguido e sozinho. E continuou a escreveu:

“Querida mamãe (outra lambida na ponta do lápis), meu patrão tem câncer, como a vovó Lucília, e sente muitas dores. Quando ele tá com muita dor, ele aplica uma injeção nele, e às vezes ele dorme, e ele desmaia. Ele diz que é injeção de cocaína, ou morfina, ou heroína, eu não sei. Ele diz que se sente bem depois da injeção. Quando ele não tem aquela injeção em casa ele fica muito nervoso, grita comigo, telefona para o amigo dele aos gritos para conseguir aquela injeção. Quando começa a doer o fígado, ele grita grita e toma a injeção. Ele mesmo aplica. Ele diz que vai morrer tomando aquilo.”

Relâmpago forte. João olhou para a página onde escrevia. Debaixo dela havia uma revista pornográfica, já velha. João tinha comprado aquela revista num sebo, na esquina. Continuou:

“Sabe, mãe, quando ele tá melhor eu tenho de gravar para ele uma estória maluca passada aí no Amazonas chamada o igarapé do inferno. Ele tem um gravador e eu gravo gravo numas fitas K7 numeradas. Vai até a madrugada. De manhã vem a Lurdinha aqui para datilografar. A senhora nem sabe como ela faz rápido. A Lurdinha fica trabalhando num quarto separado o dia todo. Mas só quando tem fita nova. E ela datilografa e entrega os papéis para o Sr. Manuel, que é o nome do meu patrão. Depois ela vai embora. Foi ela quem copiou e corrigiu está carta que estou escrevendo pra senhora, pois ela é especialista. Eu tenho poucas letras, mas aqui continuei estudando no Mabe, de noite. Mas agora tive de parar porque o meu patrão não pode ficar sozinho e as aulas eram à noite.

Espero que a senhora receba esta carta com saúde e paz,

Um beijo,

João Manuel”

Debaixo da carta, a loura exuberante, nua, fazia sexo oral.

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