Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 165 - 1ª quinzena de novembro 2009
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

Chapeuzinho vermelho.

Geisy Arruda foi hostilizada e orientada por seu advogado a adiar sua volta às aulas. A bela jovem estudante de turismo foi moralmente agredida por ir à aula com um vermelho vestido curto.

Desde o dia 22 de outubro até hoje, 3 de novembro, Geisy Arruda não voltou à Uniban, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, onde estuda.

Até o momento, Geisy não registrou boletim de ocorrência sobre o caso. 

Um vídeo com os insultos à jovem foi parar no site Youtube. Centenas de estudantes, inclusive mulheres, atacaram a jovem estudante com palavrões e ameaças de agressão e estupro pelo simples fato de ela usar um mini-vestido.

O mais grave é que ela afirma que foi recriminada também por funcionários da universidade.

Vestida com uma minissaia, ela foi ameaçada, xingada e teve de deixar as dependências da universidade escoltada por policiais militares, vestindo um jaleco de médico.

Mas, enfim, como entender o que aconteceu?

Não é tão difícil.

 

Geisy Arruda não foi hostilizada.

Ela foi transformada em vítima sacrifical por seu grupo.

Nas sociedades primitivas, a vítima sacrifical era reduzida ao estado de coisa, morta, e depois tornava-se sagrada. Quando era animal, este era punido por seu modo de ambiguidade, e devolvido ao estágio de coisa, de que é imanente a morte.

Assim, a ordem social neutraliza a subjetividade, e aparece em substituição a isto a coisa que aquele grupo precisa sacrificar e punir.

A punição de um inocente pela culpa de todos foi o movimento que crucificou o Cristo.

No mundo moderno, sacrificar não é matar, mas abandonar e hostilizar. Mas às vezes ainda aparecem resíduos do grupo primitivo e selvagem, como no caso daquela faculdade.

Para não ser abandonado, o homem filia-se à imanência do grupo primitivo, temendo ser diferente. Não se opõe às forças produtivas que mantêm o grupo primitivo unido.

A exclusão da vingança individual do mundo moderno (transferida para o Direito) deixou aberto um perigoso espaço para a violência, que a moralidade racional não tem sabido neutralizar.

O grupo “se vinga na vítima sacrifical inocente”.

Se o homem moderno foi capaz de sacrificar a divindade (Cristo na cruz), não devemos ter dúvidas de que é capaz de sacrificar qualquer ser humano.

A violência instintual do grupo pode ser descarregada na guerra, na festa, ou numa ocasional vítima sacrifical.

Sem o sacrifício, a Primeira Guerra Mundial fez treze milhões de vítimas, a Segunda cerca de trinta milhões.

É da natureza do homem o sacrifício da vítima sacrifical para a sobrevivência do grupo.

Por “vestir-se” de forma diferente das outras garotas de sua faculdade ela despertou o ódio, ou melhor, ela fez a catalisação do ódio do grupo contra si e transformou-se em “vitima” sacrifical. Transformou-se em “culpada” de ser diferente, ou seja, o bando, para não entrar em guerra contra outro bando (outra faculdade), descarrega sua agressividade na eleita vítima sacrifical que nada tem a ver com nada, e que por acaso infeliz se torna “culpada” e deve ser “punida” com a morte.

A violência do grupo pode ser aliviada pela guerra, ou pela “festa”. E a festa mais bárbara é o sacrifício da vítima sacrifical (geralmente uma jovem bela, posta em sacrifício, para morrer em favor de algum deus bárbaro). No Brasil a “festa” é o futebol, o carnaval. Para alguns índios, a “festa” se transformava em bacanal, com muita bebedeira e dança. Assim, aquela sociedade evitava que eles se matassem, entrassem em guerra contra outras tribos, ou elegessem alguma vítima inocente.

Sem o sacrifício, a Primeira Guerra Mundial fez treze milhões de vítimas, a Segunda cerca de trinta milhões.

Com gritos e xingamentos, aquela gente estava descarregando seus instintos primitivos sobre o inocente chapeuzinho vermelho de mini-saia.

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