Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 166 - 2ª quinzena de novembro 2009
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

O espião de Proust

Há um momento em que a narrativa de Céleste Albaret se trai e deixa escapar que “o Senhor Proust”, tão puro e endeusado por ela freqüentou ainda que “5 ou 6 vezes” uma pensão de encontros “de homens” de propriedade de Albert Le Cuziat, seu antigo protegido.

Esse Albert fora criado de grandes mansões russas, onde viveu “experiências engraçadas”. Era “um grande varapau da Bretanha, louro, sem elegância, e olhos azuis frios como os de um peixe – os olhos de sua alma”.

Um dos seus patrões, o Conde Orloff, mesmo durante um jantar pedia um penico e urinava diante dos convidados.

Proust deve ter conhecido Albert na casa do príncipe Radziwill. Depois Albert saiu da casa dos outros abriu uma “casa banhos” suspeitíssima na Madaleine, e depois uma “casa de encontros” num pequeno hotel na Rua de l'Arcade.

Proust, que era muito rico, presenteou Albert Le Cuziat com móveis e dinheiro para sua casa de banhos. Mas Albert tinha vários protetores riquíssimos, muito mais ricos do que Proust.

Proust usava Albert para colher informações sobre a alta sociedade que aparece na “Recherche”. Talvez seja Albert um dos modelos de Jupien no seu romance. Proust também pagava Olivier Dabescat, o diretor do restaurante do Ritz, para receber informações: “quem tinha jantado com quem, e que vestido usava naquela noite a sra Tal, e qual tinha sido o protocolo numa mesa ou noutra”.

Albert Le Cuziat constantemente era preso. Mas na sua casa de encontros masculinos apareciam políticos e até ministros. Albert dava os detalhes de seus gostos, e o “Sr. Proust se divertia”.

Quando queria saber alguma coisa, Proust mandava chamar Albert em sua casa, em seu apartamento. E era ela, Dona Céleste, quem levava a mensagem, com o cuidado de só entregar em mãos, e com a recomendação de Albert devolver a carta.

A casa de encontros tinha duas saídas estratégicas. Albert vivia com um jovem que se chamava André, mas que não podia receber as cartas. Talvez Proust tivesse medo de uma chantagem.

Proust disse para sua governanta Céleste:

“Quando vou lá, não gosto muito de demorar, em face das operações que faz a polícia. Não gostaria de aparecer nos jornais de amanhã!”

Portanto, por um motivo ou por outro, Proust freqüentou aquilo.

E um dia até pagou para bisbilhotar um industrial masoquista, amarrado à parede por grossas correntes, a ser flagelado “por um tipo ordinário, até que o sangue se espalhasse por todos os lugares. E foi somente então que o infeliz teve o gozo de todos os seus prazeres...”

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