Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 168 - 2ª quinzena de dezembro 2009
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)
Próxima: 25/1/2010

Raymundo Freitas Pinto

Ele é um poeta hoje quase desconhecido, seus poemas publicados (ou não) nos jornais amazonenses de sua época. Freitas Pinto nasceu em 1887 e faleceu em 1966. Nasceu no Ceará, mas foi cedo para Manaus, estudou medicina na Bahia, onde se formou em odontologia. Depois foi fazer Pós-graduação nos Estados Unidos, na Filadélfia. Foi professor de odontologia na Universidade do Amazonas, a antiga (dizem que é a mais antiga do Brasil). Mas abandonou a odontologia, virou inventor, industrializou o guaraná. Quando o conheci, ele era professor de inglês. Foi meu professor de inglês no “Colégio Brasileiro”.

Grande poeta, homem culto, conhecedor de música clássica. Era um “gentleman”. Elegante, cabelos brancos. Não precisava pressionar a turma para impor-se: sua figura impressionava.

Sua poesia repercute o seu gosto musical, como nesse seu “Wagner”.


Ninfas coloridas em vertiginosa carreira,
Pentagramas de luz, escalam, deslumbradas,
Plasmando em fios cristalinos luminosa esteira
Onde, estonteantes, cabriolam gnomos e fadas

Nas montanhas coroadas de neve, despertam
Cheios de cólera os deuses adormecidos
Que amedrontados gritam e exclamam
Numa ameaça aos céus e campos coloridos

Um mundo cheio de sons extravagantes
Onde serpentes de fogo em ziguezagues ritmados
Beijam fugitivas libélulas faiscantes
Riscando o céu em galopes compassados

Seu mundo poético está cheio de sonoridades, de luzes, de figuras exóticas, curiosas imagens de gnomos, de ninfas, num pentagrama de luzes em vários sentidos, a pauta musical de cinco linhas onde as divindades dos rios, dos bosques e das florestas correm vertiginosas, e os poderes mágicos das cinco letras, dos cinco sinais.

Sua poesia tem magia, fadas, mundos diferentes, com nevadas montanhas, coroadas de deuses que despertam cheios de cólera, que dormiam na paz dos altos cumes de Wagner, que descem dos céus num mundo cheio de sons extravagantes.

E dragões com as labaredas dançarinas beijam as libélulas faiscantes que fogem, e riscam o céu wagneriano no galope das valquírias que escolhem os cadáveres dos campos de batalha, mensageiras do deus da guerra, de Odim, deus da guerra e da sabedoria, ele que decidia a sorte dos soldados e das batalhas e aponta na refrega aqueles que deveriam morrer.

No “Bailado dos sons” a sinfonia continua, em silfos de fulvas cabeleiras no horizonte, velozes, nos quatro cantos do mundo, trombetas, clarins wagnerianos, apunhalando o espaço, despertando o universo com sonoridades em todas as latitudes, no Sul, no Norte, em todo lugar, amazônicos rios embalsamados e mortos que se reanimam, cristalinas castanholas que repercutem e vibram, ventos que assobiam, traiçoeiros, agressivos, bailarinos, embalando as nuvens, as chuvas, sobre a choupana de palha, cantos de vento sem palavras, músculos másculos salientes, bigorna ferida de revoltas, corações nos campanários, a imagística do poeta canta reza e chora, no mundo bronzeado nordestino, cemitérios solitários, tristes, com ciprestes batidos dos ventos, o poeta faz a natureza falar, o mar rosnar, zangado, gigantesco monstro verde, mar que é um ondear de violoncelo colossal.

Mesmo nas florestas altaneiras árvores vêm ao chão com estrondosa gargalhada sinistra em escala sincopada, tudo é sonoro. Tudo é musicalidade.

E no templo surdo, na quietude do templo, os lábios sussurram preces, que são notas brancas de suspenso lírios que se evaporam.

Mesmo a natureza se transforma nessa orquestra, pois na palmeira há canções da graúna que flauteia suas canções sertanejas, e até no cais, no barulhento cais, vozes de comando de dentro do fumo branco trazem uma nota triste de adeus.

Enfim todos os sons reunidos fazem da poesia de Freitas Pinto uma universal orquestra em aleluia instrumental e coral ao um panteísta deus.


Silfos de fulvas cabeleiras,
velozes,
esquadrinham os horizontes.

Trombetas, clarins
apunhalam o espaço,
despertando os sons em toda as latitudes.

No extremo Norte,
rios embalsamados reanimam-se,
castanholas de cristal vibram.

No extremo Sul,
ventos traiçoeiros
agridem, balançam as nuvens, assobiam.

Na choupana de palha,
pequenina,
a chuva canta sozinha... canção sem palavras.

Músculos salientes,
malho suspenso,
bigorna ferida, reage, grito de revolta.

Nos campanários
corações pulsam,
cantam, rezam, choram... sons bronzeados.

Ciprestes esguios,
solitários, tristes,
açoitados pelos ventos... gemem em surdina.

O Mar, gigante verde,
sempre zangado,
murmura, rosna... ciclópico violoncelo

Na floresta, lenho altaneiro
vem ao chão,
gargalhada sinistra... escala sincopada.

Na quietude do templo
lábios balbuciam,
notas brancas, lírios suspensos... evaporam-se.


Na copa da palmeira elegante
a graúna
flauteia, descuidada, canções sertanejas.

No cais barulhento,
vozes de comando,
dentro de uma fumaça branca uma nota triste "Adeus"

Todos os sons reunidos,
Orquestra universal,
instrumentos e vozes... Aleluia do Criador.

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