JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

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Delicado Testemunho (*)

                Mônica Rosenberg é herdeira e testemunha de uma das maiores tragédias coletivas da história da humanidade - o holocausto judeu durante a brutal ditadura nazista na Alemanha de Hitler. Seu testemunho pungente, sensível e perspicaz é uma forma ao mesmo tempo profunda e delicada de lidar com esse tipo de memória. As lembranças são terríveis e quem não viveu os momentos pelos quais ela e seus ancestrais passaram pode ter a ilusão de que aquela experiência foi uma exceção à regra, uma anomalia que precisa ser relegada ao esquecimento, mas o oblívio nada purga nem redime. Os escritos deste livro impressionam pela naturalidade com que a autora narra a brutalidade, a frieza e a desumanidade dos algozes, sim, mas como algo que faz parte do cotidiano: a dolorosa transformação da dor e do medo em rotina, o convívio com o monstro que encurrala os inocentes no escritório, em casa, na rua, no café e até mesmo no mais íntimo de suas almas e de seus corações. Como outra judia, a filósofa alemã Hannah Arendt, a narradora destes quadros do cotidiano de antes do conflito, da guerra propriamente dita e de depois do armistício traz para a vida corriqueira, que flui nas padarias, nas salas de estar e nas platéias das casas de entretenimento, o retrato em movimento da banalização do Mal e da persistência silenciosa e quase imperceptível do Bem, que brota no meio do sofrimento como uma flor no pântano, um quase invisível e aparentemente indefeso arbusto que nasce e persevera nas fendas dos monólitos. Este é um livro que deve ser lido em silêncio, em homenagem aos heróis comuns, por ele retratados, que tombaram na batalha contra os demônios que teimam em nos habitar, mas também como uma homenagem festiva, quase uma libação, por quem conseguiu se erguer e vir à luta para testemunhá-la. A memória de cada batalha é a melhor forma de que dispomos para aprender que a vida é bela e é feia, é suave e é cruel, pois é humana - um apanágio de glórias e um abismo de perdição. O poeta Arthur Rimbaud diz ter perdido a vida por delicadeza. Mônica no-la traz de volta... delicadamente.

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(*) Contracapa do livro, Virando as páginas de um passado não ultrapassado. O Holocausto, de Monica Rosenberg, editado pela Oficina do Livro Editora.

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