JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Colunas de 25/10
(Próxima coluna 8/11)

Arte de arteiros  (*)

Da infância, no sertão, só guardo lembrança de um único amigo: meu irmão Nilton, um ano mais novo. Brincávamos muito juntos, mas não me lembro de termos possuído brinquedos, destes produzidos em indústrias, naquele tempo de plástico, mas ainda não estes gadgets, bugigangas eletrônicas e complementos de luz, imagem e som  que hoje predominam nos folguedos infantis. Brinquedo mesmo, no sentido pelo qual se entende a palavra hoje, só me lembro ter possuído um cavalo de pau, sobre o qual procurava imitar Roy Rodgers, Buck Jones ou Hapolong Cassidy, mas sem as camisas de franjinha, as cartucheiras nem os revólveres de plástico que Carlos Antônio, da minha idade, possuía e exibia com garbo. Meu irmão e eu costumávamos brincar com latas vazias de Toddy, que sob nosso controle se tornavam carros, prédios, monumentos e até pessoas. Crianças mais dadas ao esforço físico disparavam nas ruas em patinetes e carrinhos de rolimã, fabricados com rolamentos abandonados de automóveis. O que enriquecia e até enobrecia aquele lixo industrial era a imaginação: brincar, desde sempre, foi, é, a arte de tirar aventuras e prazeres do escasso, às vezes do nada. Mais até que isso: o exercício de animar, não no sentido estreito de alegrar, mas, sim, no mais amplo, o de dar anima (alma, em latim) a objetos inanimados. Daí, a proximidade existente entre artistas e arteiros, tanta que as duas atividades nem sempre se diferenciam: quem faz arte muitas vezes também a produz. E vice-versa. Esta exposição mexe com animação, nesse sentido lato de dar um sopro de vida em matéria morta e também no outro, do movimento, da mobilização. Fazer ficção é brincar com palavras escritas. O teatro, uma brincadeira de gestos e palavras faladas. Dentro de nós moram artistas e arteiros, muitas vezes até artistas arteiros: somos gente que pinta o sete e vai ao parque andar de roda gigante e girar no carrossel. Gente comum ou singular: meninas que jogam bola e marmanjos que não se envergonham de brincar de boneca. Mamulengos na maleta, monjolos em miniatura, rói-rói na barraca da feira livre: objetos que nos remetem à infância dentro da carcaça que enruga, engorda e cai. Brincar, jogar, tocar, fazer arte: jeitos de manter serelepe a velha inocência original, nunca perdida.

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(*) Texto sobre exposição de brinquedos populares inaugurada dia 21/10 na Estação São Paulo

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