JOSÉ NÊUMANNE PINTO

Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Coluna de 17/4/2008
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                 A oposição sem assunto deixa terceiro mandato à mercê só de Lula

A viagem a Haia, sede da Justiça internacional, fez bem a nosso presidente e, por extensão, poderá trazer bons fluidos para o país que governa. Da Holanda o baiano Rui Barbosa voltou consagrado como a “Águia de Haia”. Na mesma cidade o paraibano Epitácio Pessoa desembarcou como jurista e foi escolhido para presidir a República aqui, em crise com a morte do presidente eleito Rodrigues Alves, paulista, de gripe espanhola, e a evidente degeneração mental do vice mineiro, Delfim Moreira. A Nação brasileira espera que o pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva reafirme sua convicção expressa em palavras que, se não bastam para torná-lo estadista, pelo menos reafirmam seu compromisso com a democracia. O presidente acertou na mosca quando disse: “Qualquer pessoa que se ache imprescindível começa a colocar em risco a democracia. Pobre do governante que acha que é insubstituível ou imprescindível. Neste caso está nascendo dentro dele uma pequena porção de autoritarismo ou prepotência, e isso eu não carrego na minha bagagem política.”

Nordestina como Rui, Epitácio e Lula, minha avó Nanita costumava dizer que os cemitérios estão cheios de insubstituíveis. E também que “quem fala muito dá bom dia a cavalo”. E, como se sabe, Sua Excelência não leva em muita conta a coerência, deixando perceber muitas vezes que concorda com a máxima atribuída ao paraibano Assis Chateaubriand segundo a qual “a coerência é a virtude dos imbecis”. Além disso, as juras de amor às instituições pelo chefe de governo não têm sido acompanhadas de suas reprovações a iniciativas e pronunciamentos de pessoas próximas a ele. Devanir Ribeiro, seu companheiro de diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo e ainda hoje em seu grupo mais íntimo de amigos, continua empinando o papagaio da segunda reeleição em forma de emenda constitucional. E o vice José Alencar apelou para o truísmo segundo o qual o povo deseja que o presidente continue no cargo.

Além disso, o acerto do diagnóstico não foi produzido a partir de uma exegese coerente. O presidente trata os adversários do terceiro mandato, com os quais ele diz concordar, não como “do bem”, mas inimigos, não só dele, mas mais do povo, que o prestigia nas enquetes de opinião. Estes teriam apoiado a reeleição de Fernando Henrique (como se ele mesmo também não se tivesse beneficiado do instituto) e “não acharam ruim quando os militares ficaram 23 anos no poder ou aprovaram a reeleição (sic)”. Ao atribuir apenas a quem não o quer mais no poder a oposição à mudança constitucional que lhe permitiria disputar novamente o cargo para o qual já foi reeleito, ele se afasta da sentença sensata de Haia. E se aproxima de aliados como os prefeitos do PT reunidos em Brasília e Lawrence Pih, presidente do Grupo Moinho Pacífico, que confunde deliberadamente popularidade com elegibilidade.

Na verdade, se não é a “Águia de Haia” como Rui, tampouco Lula seria a única “andorinha de Haia” que gostaria de manter o permanente verão do continuísmo para a felicidade geral da parcela da burguesia que nada de braçadas em sua gestão e do povão empenhado em manter a esmola estatal da Bolsa-Família. O PT não tem um candidato para derrotar o tucano José Serra e pretende continuar no poder com Lula, ainda que seja necessário apelar para a reforma constitucional. Os aliados de ocasião tudo farão para deixar a coisa como está, pois, usando uma metáfora futebolística, do gosto do chefe, “em time que está ganhando não se mexe”. E há ainda a oposição, que, como disse muito bem o principal interessado, não tem outro assunto.

Aí é que está o busílis do terceiro mandato. Carecem os sinceros democratas, que apostam nas instituições e não nos salvadores da Pátria, de uma oposição política que defenda um projeto partidário coerente e alternativo ao que levou o ex-dirigente sindical duas vezes ao posto máximo na República. No PSDB e no DEM, que se dizem de oposição só por terem saído do governo, sobram projetos pessoais, mas falta até mesmo um espírito grupal que, pelo menos, os congregue na caça a um objetivo só. Tudo o que a oposição conseguiu em cinco anos e quatro meses de governos Lula até agora foi impedir a prorrogação da CPMF, o que não serviu nem para fazer justiça aos contribuintes, pois os cofres da viúva continuam abarrotados com os recordes da arrecadação dos muitos outros impostos.

O que o antilulismo tem a apresentar ao eleitorado, agora e em 2010, são os planos pessoais de seus pretendentes. José Serra só chegou ao governo do maior Estado da Federação porque foi forçado a ceder a Geraldo Alckmin a honra de perder a eleição presidencial, e está no cargo construindo a escada que poderá levá-lo ao topo com que sonhou em 2006. A impaciência deste seu antecessor no cargo para estar num posto de destaque o leva a se precipitar numa disputa eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, dificultando a vida do prefeito aliado e asfaltando a estrada da volta para a ex Marta Suplicy, do PT. E o principal obstáculo de Serra na corrida presidencial, o governador de Minas, Aécio Neves, não esconde a ambição de chegar lá, mesmo que tenha de vender a alma ao diabo barbudo.

Assim, os órfãos da democracia real, que acreditam no rodízio do poder e concordam com o presidente que a ambição continuísta é autoritária pela própria natureza, vêem-se forçados a se agarrar à tábua de salvação de uma convicção do chefe do governo, a de que a sensatez manda desconfiar, como alternativa ao naufrágio. É que Lula tem razão ao dizer que falta assunto à oposição. Além de espírito cívico, linha política e desprendimento pessoal. Mas ele também deixa, de forma oportunista, de revelar que sobram aos interessados em sua permanência empenho e apoio popular para o golpe fatal dos interesses de grupo contra as instituições.

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